As Artes do Discurso
no pensamento antigo


ARAÚJO, Carolina
A composição mimético-narrativa da República de Platão
Universidade Federal do Rio de Janeiro

A arte do discurso platônica é evidentemente mimética, no sentido estrito de que “o poeta oculta a si próprio” (Rep., 393d), nunca falando em primeira pessoa. Não obstante, a República de Platão é ademais uma narrativa de Sócrates, que assume portanto a primeira pessoa do discurso. Ao contar a um interlocutor anônimo sobre o dia anterior, Sócrates faz convergir na sua persona dois papéis distintos, o do narrador e o do personagem. Como personagem, Sócrates age, observa, deseja, pergunta, receia, etc.; mas como narrador ele apresenta o único ponto de vista pelo qual temos acesso à cena cujo autor é Platão. Nesse sentido, nada que possa ser tomado como discurso platônico na República, poderá sê-lo sem antes ter sido tomado como um discurso socrático. Isso faz com que haja apenas duas estratégias gerais de leitura da República: ou devemos considerá-la como uma ficção socrática, e nenhum pensamento platônico pode ser ali encontrado, ou uma peça do pensamento de Platão que toma Sócrates como seu porta-voz. Dada a forma de composição platônica, este trabalho pretende argumentar que não há elementos textuais que permitam a leitura irônica do texto da República, tal como classicamente defendida por Leo Strauss.
Mas há mais a dizer sobre a estratégia de composição da República. Dada a prática da leitura que tem no prólogo do Teeteto de Platão sua melhor descrição, fica claro que o leitor da República necessariamente irá tornar-se semelhante a Sócrates, modelando sua voz e postura ao ler o texto (393c). Isso implica que “tornar-se semelhante a Sócrates” é o principal objetivo da inserção da narrativa na moldura do diálogo, o que, por sinal, coincide com a tese defendida na própria República de que a narrativa própria aos homens nobre é constituída em sua maioria de discurso indireto, embora também contenha imitação de caracteres nobres ou ainda de caracteres piores em ações nobres (Rep., 396c6-e7). É a partir desses pressupostos que este trabalho pretende analisar a cena dramática da República, com o objetivo de concluir por que a casa de Polemarco é o local escolhido para essa cena e a função específica desempenhada pelos demais personagens nesse drama de um homem só.

[ índice ]

BRANDÃO, Jacyntho Lins
“Pregar a convertidos”: qual o gênero da Apologia de Sócrates?
Universidade Federal de Minas Gerais

A apologia, enquanto discurso de defesa, constitui uma das espécies do lógos dikanikón, o discurso judiciário, de acordo com a classificação proposta por Aristóteles. Dessa perspectiva, lançando mão de argumentos ou provas (písteis), ela visa a produzir persuasão (peithó) e tem como efeito o convencimento (pístis), levando a uma deliberação sobre o que é justo ou injusto com relação ao passado. Trata-se, portanto, de um gênero de discurso inteiramente imerso na efemeridade das circunstâncias do tribunal, que só tem sentido no contexto do contraditório (o agón) e move a um convencimento dos juízes de curta duração, pois é preciso que se prolongue não mais que até a emissão do voto (culpado/inocente). Da Antiguidade grega recebemos um conjunto pequeno mas representativo de peças que tudo leva a crer foram realmente pronunciadas no tribunal, mas recebemos também discursos que jamais foram de fato pronunciados. Entre esses dois extremos, encontramos discursos com relação aos quais não se tem como tomar uma decisão taxativa, o mais famoso dos quais, já que nosso foco são os discursos de defesa, a apologia de Sócrates escrita por Platão. Discutindo de modo mais amplo o estatuto das apologias literárias, este trabalho pretende tomar como corpus a Apologia de Sócrates, considerando que, mesmo que ela possa dizer algo sobre o discurso pronunciado no tribunal, não pode ser entendida como verdadeira “apologia”, já que não tem como função o convencimento que conduz ao voto, constituindo antes um discurso escrito para correligionários. Noutros termos, embora o que se encene seja um discurso judiciário (lógos dikanikós), o texto deve ser classificado no vasto conspecto dos discursos epidíticos (lógos epideiktikós).

[ índice ]

CHASE, Michael
La philosophie comme mode de vie et l'art des confins l'exemple de Pavel Florensky
CNRS, França

C'est à Pierre Hadot que nous devons l'idée de la philosophie comme mode de vie. Il voulait dire par là que la philosophie, dans l'Antiquité, n'était pas un simple discours, un passe-temps intellectuel comparable à la résolution d'un puzzle. C'était un ensemble de techniques destinés à effectuer une transfomation de la personne, à travers un certain nombre d'exercices spirituels, « spirituels » car engageant non pas la seule faculté intellectuelle, mais la totalité de la personne, y compris le désir et l'imagination. Par le biais de cette transformation, l'étudiant pouvait parvenir à sortir de l'isolement de son individualité, s'élevant au niveau du Logos, ou de l'universalization. Comme résultat de ce processus, on pouvait espérer atteindre un état de bonheur et d'intensification de l'être.
Pierre Hadot a montré que cette conception de la philosophie comme mode de vie était étroitement liée aux conditions historiques, politiques et socio-économiques de l'Antiquité: à partir du Moyen Âge et jusqu'à aujourd'hui, l'étude universitaire de la philosophie est devenue du discours sur la philosophie, plutôt que la pratique de celle-ci. Il n'est, bien entendu, ni possible ni souhaitable de recréer aujourd'hui les conditions d'enseignement de l'Antiquité. Cependant, je propose que la pratique de l'interdisciplinarité peut jouer un rôle semblable à celui des exercices spirituels de l'Antiquité dans la revitalisation de études philosophiques. J'appuie mon argumentation sur l'exemple de la vie et de l'oeuvre de Pavel Florensky (1882-1937), prêtre, scientifique et philosophe russe.

[ índice ]

CORRÊA, Paula da Cunha
As narrativas mitológicas em Estesícoro e na poesia épica e arcaica
Universidade de São Paulo

Trataremos das narrativas mitológicas que se encontram no gênero de poesia mélica e, especificamente, em Estesícoro. As mais recentes discussões sobre a obra de Estesícoro concernem, principalmente, o modo de execução (performance) de seus poemas e a relação desses com a poesia épica. Seriam os poemas de Estesícoro corais, como atesta o seu próprio nome segundo o Suda (S 1095, iv.433 Adler: “Chamava-se Estesícoro por ter sido o primeiro a estabelecer um coro citaródico”), ou assemelhavam-se mais às récitas de rapsodos, sendo cantos monódicos nos quais a narrativa mitológica preponderava?
Contra a hipótese de execução coral dos poemas de Estesícoro, críticos notam que a deíksis, uma das marcas da mélica coral, não se encontra nos poemas de Estesícoro. Mas, se considerarmos que a obra de Estesícoro pertença à tradição de poesia citaródica, devemos então buscar compreender a causa de sua inclusão no cânone alexandrino de poetas líricos, assim como a sua denominação como “estabelecedor de coros”.
Segundo Quintiliano (Inst. 10.1.62), a matéria dos poemas de Estesícoro é épica, ao passo que o metro (a música) é lírico: máxima bella et clarissimos canentem duces et epici carminis onera lyra sustinentem (“canta as guerras mais importantes, os mais célebres comandantes, e sustenta na lira o peso da poesia épica”). Partindo, portanto, da definição de Quintiliano, buscaremos comparar as narrativas míticas em Estesícoro, Homero e Hesíodo.

[ índice ]

COSTA, Admar Almeida da
Arte do discurso e arte da medicina, no Fedro
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

O Fedro nos apresenta a persuasão como o efeito pretendido por todo discurso. Entre a diversidade de meios e modos de persuadir, o diálogo sugere que a persuasão se vale de palavras, argumentos e imagens e que, quando utilizada com conhecimento – no tempo oportuno e com a eloquência adequada – toca a alma, mas tem com ela uma relação ambígua, podendo alterar de modo decisivo sua disposição e trajetória ou apenas afetá-la superficialmente. Comparando os efeitos da persuasão com aqueles produzidos pelas drogas, utilizadas pelos médicos, Sócrates estabelece as condições e o alcance para se distinguir o médico do charlatão e o orador comum do detentor da arte. Ao examinar esta comparação, esse trabalho visa avaliar se, de fato, tal arte é possível e como ela pode ser ensinada.

[ índice ]

FLORES-JÚNIOR, Olimar
Tema e variações de uma anedota filosófica: as artes do discurso e o “naturalismo” cínico
Universidade Federal de Minas Gerais

Partindo do entendimento de que o cinismo antigo foi preservado e transmitido essencialmente por um vasto conjunto de anedotas, a presente comunicação abordará uma em particular, em suas diversas versões e desdobramentos: aquela que narra o episódio em que Diógenes de Sínope, inspirado pela visão de alguém que bebia água com as mãos, joga fora o seu único copo. Nesse “estudo de caso” dois aspectos deverão ser destacados: (1) a partir de uma visada mais geral, a maneira como a forma de um discurso determina e condiciona a constituição de um pensamento e de toda uma tradição filosófica; nesse sentido, busca-se evidenciar que a compreensão do cinismo depende, ao mesmo tempo, de duas características aparentemente contraditórias de uma anedota, a saber: a sua concisão histórica máxima e a sua expansibilidade literária; e (2) de uma perspectiva mais específica, o modo através do qual se constituiu a percepção do cinismo antigo como expressão de um “naturalismo filosófico” radical.

[ índice ]

HADDAD, Alice Bitencourt
O argumento do bêbado, do louco e do dormente por Platão, Cícero e Sexto Empírico
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

No Teeteto de Platão, Sócrates levanta contra a definição de conhecimento (epistéme) como percepção (aísthesis) o argumento de que reconhecemos que há condições sob as quais recusaríamos a "veracidade" do percebido; seriam elas as condições de bêbado, de louco ou de alguém a sonhar. Logo em seguida, o próprio Sócrates, em nome de Protágoras, rebate esse argumento, assumindo a impossibilidade de se distinguir a veracidade de uma percepção no momento em que ela ocorre, uma vez que, então, lutamos por nossas convicções, não importa em que estado nos encontremos. Esse mesmo argumento, curiosamente, atravessou a história da filosofia, sendo usado em diferentes contextos tanto por Cícero, nos Acadêmicas, quanto por Sexto Empírico, nas Hipotiposes Pirrônicas. Pretendemos nesse trabalho abordar esses três diferentes usos e tentar, assim, apontar para uma história do pensamento cético com base nas discussões iniciadas por Platão.

[ índice ]

HIRSCH, Antonio Carlos Luz
O discurso breve e memorável da filosofia arcaica em Protágoras, 342a-343c
Programa de Estudos em Filosofia Antiga da UFRJ

Em uma passagem não muito estudada do diálogo Protágoras (342a-343c), Sócrates parte em defesa do poeta Simônides argumentando que este escreveu o poema que o sofista traz à discussão na intenção de superar Pítaco, um expoente de uma forma arcaica de filosofar.
A sua maneira, Sócrates relata como entende o poema, criando uma versão particular para a origem da filosofia. Ele em realidade faz um pastiche de um discurso de Protágoras no início do diálogo quando este conta a origem da arte sofística, sugerindo que é preciso recontar com bom humor o que o sofista diz em tom solene.
Em seu argumento Sócrates destaca que foram homens perfeitamente educados na educação lacedemônica os autores de frases gnômicas célebres tais como "Nada em excesso" e "Conhece-te a ti mesmo", consagradas a Apolo em seu templo em Delfos.
Para além do intuito de fazer rir os presentes, a intervenção de Sócrates põe em questão a suficiência do discurso. Este constitui o problema que este trabalho se propõe a discutir, tendo em consideração que se por um lado o desejo socrático de brevidade é constantemente contrariado nos diálogos platônicos, por outro este mesmo desejo é reinterando em diversas ocasiões.

[ índice ]

HOLANDA, Luisa Severo Buarque de
Imitação de ações: tragédia entre contingência e necessidade
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

A Poética é um tratado aristotélico muito frequentemente lido como obra autônoma, em certo sentido até mesmo à parte do resto do corpus aristotelicum. Entretanto, dado o seu caráter econômico e fragmentário, é possível que a sua interpretação tenha muito a se beneficiar de possíveis conexões com outros tratados aristotélicos. Nesta comunicação, procurarei fazer uma análise de Poética IX – mais especificamente da noção de 'possível' que é ali explorada – tomando como base tanto a noção de 'contingência', tal como apresentada em Da Interpretação XIII, quanto as noções de 'voluntário' e de 'involuntário', tal como desenvolvidas em Ética a Nicômaco III.

[ índice ]

MARQUES, Marcelo Pimenta
A tekhnologia de Platão: o caso do Filebo
Universidade Federal de Minas Gerais

Discutir a divisão das técnicas que é feita no Filebo, em três momentos (55c-56a;56b-57d; 57e-59d), em função de sua posição no movimento argumentativo do diálogo. Trata-se de examinar a tékhne dos discursos, no contexto da contraposição / aproximação entre prazer e saber, tendo em vista a vida feliz. Os interlocutores se perguntam em que medida(s) o prazer e a reflexão podem e devem fazer parte de um modo de viver que seja bom. A discussão é direcionada para uma reflexão sobre as condições da mistura que deve ser a vida boa, tendo como parâmetro a análise de valores (critérios) que nos permitam determinar o valor dos valores, agrupados em torno do prazer e da reflexão, dos prazeres em suas diferenças e da inteligência (enquanto tékhne dos discursos) em suas também múltiplas modalidades.

[ índice ]

MIRANDA, Margarida
Entre aristotelismo e lição experimental no ensino dos jesuítas, ou Da Arte do Diálogo no advento da ciência moderna (séculos XVI e XVII)
Universidade de Coimbra

O ensino dos Jesuítas codificado pela Ratio Studiorum reflecte um quadro epistemológico que conheceu cerca de vinte séculos de aceitação, mas adquire um aspecto inovador porquanto rejeita a tradicional oposição entre ensino escolástico e ensino humanístico, tratando-os como vias complementares e não rivais.
Se, no plano da valorização da retórica e da educação para a eloquência, a Ratio pertence a uma aetas ciceroniana, no plano da formação filosófica, a Ratio pertence genuinamente à tradição escolástica e a uma aetas aristoteliana – para usar a dicotomia de Etienne Gilson e Marc Fumaroli – esbatendo afinal as fronteiras académicas entre Idade Média e Renascimento, e favorecendo o salutar diálogo entre tradição e inovação.
Mas o processo de diálogo não se esgota entre a aetas aristoteliana da escolástica jesuítica e a aetas ciceroniana da eloquência humanística. Com efeito, o aristotelismo dos jesuítas não rejeitou a lição experimental, como testemunham alguns manuais de filosofia compostos em língua latina e muitas vezes esquecidos (Francisco Soares Lusitano, Francisco de Mendonça, Baltasar Teles, António Cândido…)
A leitura e análise da Ratio Studiorum (1599) e o exame dos manuais de Filosofia natural produzidos pelos Jesuítas permite-nos definir o lugar dado ao conhecimento da natureza no regime de estudos da Companhia de Jesus e reequacionar o papel da “ciência filosófica”, por ele produzida, no advento da ciência moderna

[ índice ]

MORAES AUGUSTO, Maria das Graças de
O estatuto discursivo do riso na República de Platão
Universidade Federal do Rio de Janeiro

As relações de Platão com o gênero cômico, quase sempre mencionadas por seus biógrafos e comentadores tardios – Diógenes Laércio, Olimpiodoro, Apuleio, Albinus –, estão enunciadas e circunstanciadas em vários diálogos – no Banquete, no Teeteto, no Filebo, nas Leis, por exemplo – em contraposição e aposição à figura do filósofo e às funções da filosofia.
No livro V, da República, essas relações estão claramente postas na fundamentação de duas conclusões radicais inferidas por Sócrates a partir da ‘fabricação’ de uma ‘pólis logo(i)’: [i] a coalescência de dýnamis entre a filosofia e a política, exposta em 473c-474a, e, [ii] a definição do filósofo, como “desejoso da sophía em sua totalidade”, em 475b5-6, que ensejarão, em sua sequência, a famosa exposição das ‘ideias’ como base do conhecimento epistêmico e ‘objeto’ da ‘sophía’ do filósofo, explicitada, então, como ‘totalidade’ em detrimento daquela atribuída ao “gelôn anèr”, em 457b2-6, como sendo, ainda, um ‘fruto imaturo’ (“atelê toû geloíou drépon karpón”).
É, portanto, tomando por base essas relações que procuraremos refletir sobre as dificuldades relativas à ‘probabilidade histórica’ de uma pólis e uma politeía reta e boa, expressa ‘en lógo(i)’ e à ‘realidade ontológica’ daquilo que ‘é em si e sempre mesmo’ (“autà ... kaì katà tautà hosaútos ónta ”) acessível através da contemplação obtida pela gnôsis (“eph’oîs gnôsís estin”), que constituem o cerne da compreensão platônica acerca da função da filosofia e do filósofo, seja como gênero do lógos, seja como cidadão de uma pólis.

[ índice ]

MORAIS, Carlos
As artes de gramática para o ensino de grego em Portugal: Clenardo e João Jacinto de Magalhães
Universidade de Aveiro

Desde Dionísio de Trácia, muitos foram os compêndios gramaticais que foram elaborados em prol de uma cada vez melhor compreensão do funcionamento da língua helénica. Com o incremento do estudo do grego no Renanscimento, este número aumentou de forma exponencial.
Em Portugal, dois modelos de artes de gramática marcaram de forma indelével o ensino desta língua, entre os séculos XVI e XIX: as Institutiones in Linguam Graecam de Clenardo e o Novo Epitome da Grammatica Grega de Porto-Real de João Jacinto de Magalhães. O primeiro esteve na base dos epítomes ex Clenardo, in usum tyronum, que os Jesuítas portugueses compuseram para o ensino nos seus colégios. Pedagogicamente inovadores, pela preocupação constante de ajustar o conteúdo às necessidades letivas, estes manuais foram publicados de forma intermitente, entre 1594 e o primeiro quartel do século XVIII. O segundo, traduzido, com correções, adaptações e aditamentos, dos compêndios de Lancelot e de Furgault, para servir o projeto pombalino de reforma dos estudos secundários, veio substituir o anterior e influenciou outras gramáticas de finais do século XVIII-inícios do século XIX, tendo ficado na história do ensino como a primeira gramática de Grego impressa em língua portuguesa.

[ índice ]

PINHEIRO, Ulysses
A presença do neoplatonismo de Leão Hebreu na Ética de Spinoza
Universidade Federal do Rio de Janeiro

O objetivo de minha comunicação é reinterpretar o papel da presença de temas platônicos na Ética de Spinoza, mostrando que eles não são menções marginais, mas condição da inteligibilidade do texto como um todo. Todos os comentadores da obra de Spinoza reconheceram nela a influência do platonismo renascentista, mas é comum, especialmente na literatura secundária mais atual, minimizar seu papel constitutivo, muitas vezes através de advertências explícitas contra interpretações “platonizantes” de Spinoza. De minha parte, contra esses comentadores, pretendo estabelecer a importância decisiva do platonismo renascentista na principal obra de Spinoza, a Ética. O fio condutor de minha apresentação consistirá na comparação do modo como o famoso texto de Leão Hebreu, os Diálogos de amor, reaparecem em sua obra de juventude, o Curto tratado, e, posteriormente, sua permanência forte na Ética, especialmente no tópico referente às relações entre a existência finita das coisas singulares, dada através dos sentidos, e sua essência eterna, percebida pelo intelecto puro. Mostrarei que há, entre cada ponto da duração da existência temporal de uma dada coisa e sua essência eterna, uma relação tal que ela está realizando sempre menos sua essência do que poderia realizar. Ou seja, mostrarei que, para Spinoza, nós homens somos sempre menos do que podemos ser, devido à limitação introduzida por nossa coexistência com as demais coisas singulares na duração, as quais, todas elas, se esforçam para atualizar ao máximo suas respectivas essências formais. Para caracterizar essa “distância” que separa existência e essência, não será preciso, porém, introduzir a noção aristotélica de “ser em potência”; tudo de que precisamos é da relação entre dois domínios do ser, ambos atuais: o das existências temporais e o das essências eternas. Dessa forma, para cada momento do tempo, um indivíduo finito encontra, em sua essência eterna e infinita, um excedente de potência não realizada, ainda que a ordem comum da natureza constitua uma cadeia determinista. Portanto, é possível manter que, desde toda a eternidade, cada indivíduo pode realizar exatamente tanta potência quanto realiza – ou seja, não é preciso introduzir indeterminismo e contigência no nexo causal transitivo das existências para dar conta de uma noção robusta noção de possibilidade, bastando, para isso, mobilizar a noção de essência eterna.

[ índice ]

RIBEIRO, Adriano Machado
A Apologia de Górgias: é possível defender-se do que se não fez?
Universidade de São Paulo

Destacar o papel de Górgias na formação de uma techne dos discursos no período de sua atividade parece ser inegável, sobretudo se se pensar em sua importância para sedimentar as bases do discurso em prosa e no papel que esta passa a desempenhar a partir do século V a.C. na Grécia. O problema, no entanto, é a associação imediata de tal prática discursiva com a retórica, ou seja, a qualificação negativa dada por Platão à atividade de Górgias faz que sempre se contraponha o discurso enganoso deste ao verdadeiro daquele. À retórica como empeiria no Górgias de Platão vislumbra-se a contraposição da formulação da verdade por meio de uma techne que se modela a partir do dialeghestai, da qual resultará a dialética e a filosofia. Mas Górgias foi de fato um rhetor cujo fim precípuo seria a persuasão por meio de um discurso que se afasta da verdade? Não estaria, além disto, o próprio Platão se servindo de instrumentos da prática discursiva de Górgias para firmar o discurso filosófico? A análise da Apologia de Palamedes de Górgias, a fim de observar quais são os procedimentos nela presentes, talvez possa ajudar a responder tais questões. Em primeiro lugar, por nela estar em primeiro plano personagem pouco destacada em Homero que não foi capaz de persuadir os juízes de sua inocência; em segundo, por dizer ser impossível defender-se de uma acusação falsa afirmando ser algo que não foi. Discutir em que medida tais procedimentos e objetivos são retóricos talvez melhor se possa esclarecer contrapondo-se o texto de Górgias à Apologia de Sócrates de Platão, buscando destacar as possíveis semelhanças e diferenças em tais práticas discursivas.

[ índice ]

SILVA, Markus Figueira da
Acerca do estilo epistolar e aforismático de Epicuro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Trata-se de explicitar o estilo próprio e individualíssimo de Epicuro, que pode ser aferido na análise das Cartas a Heródoto, a Pýtocles e a Meneceu, bem como nas quarenta Máximas Principais e nas Sentenças Vaticanas. Segundo as informações contidas no livro X da obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, de Diógenes Laércio, Epicuro exigia de si e dos seus amigos como requisito fundamental para o exercício da Filosofia clareza no uso da linguagem. Outro aspecto que será abordado nesta comunicação é o papel da memória e as técnicas de memorização muito valorizadas pelo Filósofo de Samos.

[ índice ]

SOUSA E SILVA, Maria de Fátima
A arte de construir o cômico segundo Aristófanes
Universidade de Coimbra

Mais do que um criador teatral, Aristófanes, como profissional experimentado nas artes dramáticas, com frequência ponderou as estratégias de produzir o riso. Questões ligadas com efeitos de linguagem, proporção linguagem/imagem cénica, inovação e criatividade / modelos tradicionais, o ataque pessoal como traço próprio da comédia, são, para Aristófanes, os critérios por que se julga a verdadeira qualidade artística. Sobretudo nas parábases, o poeta, através do coro, estabelece um diálogo com o auditório orientando-o na avaliação dos méritos do género. Cumpria assim, também na perspectiva dramática, a sua missão de educador do povo.

[ índice ]