IV Colóquio Platônico
Politeía, IV

 

ARAÚJO, Carolina de Melo Bomfim.
Excelência, poder e princípio: algumas dificuldades da definição de justiça.
Professor Adjunto I no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A tão buscada definição de justiça surge no livro IV da República, a seguir às definições de coragem, temperança e sabedoria, como a forma segundo a qual a cidade participa da excelência (432b). Indica-se, com esse encaminhamento, uma diferença de níveis no interior de um grupo em geral tratado como “as excelências”. A justiça confere poder e salvaguarda aos outros integrantes deste grupo, como apontado em 433b, ou ainda, como aparece em 443b, ela é um poder que causa todos esses outros elementos. Essa prerrogativa da justiça, no entanto, relaciona-se ao fato de que o que agora é apresentado como a sua definição – fazer o próprio – é indissociável do momento de fundação da cidade (433a, 443c). Em jogo está, portanto, o sentido de arkhé, como princípio e governo, e o argumento, talvez estranho, de que só é possível ser justo desde o princípio. Esta exposição dedica-se a tentar esclarecer essa estranheza.

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BOERI, Marcelo Diego.
¿Por qué el thymós es un “aliado de la razón” en la batalla contra los apetitos irracionales? La explicación de Platón para acercar la cólera a lo racional y no a lo apetitivo.
Professor de Filosofía Antigua en el Instituto de Filosofía de la Universidad de los Andes, Chile.

Hay muchas razones por las cuales se podría argumentar que República IV es un texto importante en la producción filosófica de Platón, pero tal vez una razón decisiva es que constituye el pasaje en el cual aparece del modo más detallado y quizá por primera vez una psicología de partes en conflicto. En esta presentación me propongo examinar las explicaciones (explícitas e implícitas) que ofrece Platón para probar que lo thymoeidés debe entenderse como una tercera parte del alma diferente de la racional y la apetitiva, aunque “aliada” a la racional. Me centraré en los pasajes en los que Platón investiga por qué lo thymoeidés no puede ser semejante en naturaleza (homphyés; 439e4-5) a lo apetitivo (como se asume al comienzo de la sección en que se está intentando descifrar en qué consiste esta tercera parte diferente de la racional y la apetitiva). Discutiré especialmente (i) la sugerencia explícita de Platón, según la cual el thymós puede tener algún tipo de “creencia o parecer” respecto de una noción evaluativa como “justo” (symmakhei  to(i) dokonti dikaío(i); 440c8); (ii) la duda que experimenta Sócrates cuando sugiere que, si lo thymoeidés es una forma de lo racional, no habrá tres, sino dos partes del alma (la racional y la apetitiva; 440e8-10) y (iii) la, en cierto modo, sorprendente afirmación de que una persona pueda ser llamada moderada cuando lo que gobierna y los gobernados (i.e. lo colérico y lo apetitivo) tienen una creencia semejante respecto de que lo racional debe gobernar (442c11-12: tò te árkhon kaì tó(i) arkhómeno tò  logistikón homodokôsi).

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BOLZANI FILHO, Roberto.
Temperança e Justiça na cidade e na alma.
Professor Assistente Doutor no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

No livro IV de A República, Sócrates, em busca da definição de justiça, adota o procedimento de encontrar as outras virtudes na cidade - sabedoria, coragem e temperança -, para então reconhecer a restante, a própria justiça (428a). Como a justiça na cidade e a justiça no indivíduo diferem entre si, conforme nos ensinava o início da investigação no livro II, apenas em dimensão, mas não em conteúdo, falar sobre as virtudes da cidade será também falar sobre as virtudes da alma, pois na “na cidade há as mesmas partes que há na alma de cada um e são iguais a elas em número” (441c). Assim, “tal como a cidade é sábia por um certo motivo, também o indivíduo...pelo mesmo motivo;...pelo mesmo motivo e da mesma forma que o indivíduo é corajoso, também a cidade deve ser corajosa...o homem também é justo da mesma forma pela qual a cidade é justa” (441c-d).
A descoberta de que a justiça consiste em cada um cumprir na cidade sua própria função (433b) ganha então duas versões: “a cidade é justa pelo fato de que cada uma das três ordens que a constituem cumpre sua função” (441d); “se cada uma das partes que há em nós cumpre a tarefa que lhe é própria, seremos justos também por cumprir nossa tarefa” (441d-e). Essas partes da cidade e da alma se fundamentam numa teoria da alma, pela qual o elemento racional, o elemento impetuoso e o concupiscente se relacionam, de modo a proporcionar a presença das três virtudes: sabedoria, coragem e temperança, de forma uma e harmoniosa. “O comandar cabe à razão, porque ela é sábia e cuida da alma toda, e à impetuosidade cabe ser submissa à razão e sua aliada...e essas duas partes, tendo sido assim educadas, verdadeiramente ensinadas e formadas para cumprir sua tarefa, governarão a concupiscente que, em cada um, é a parte maior da alma e, por natureza, é insaciável de riquezas. Ficarão de vigia para que ela não se encha dos chamados prazeres do corpo e, ao tornar-se maior e mais forte, deixe de cumprir sua tarefa e, embora isto não lhe caiba por sua natureza, tente escravizar e governar as outras e subverta a vida de todas as pessoas” (441e-42a).
Assim, ser justo, isto é, fazer o que é devido, torna possível uma alma e uma cidade sábias, corajosas e temperantes: a justiça confere a tais virtudes “capacidade para existir e, depois que nascem, as mantém a salvo, enquanto nelas subsiste” (433b). Diferentemente das outras virtudes, a justiça não se localiza nesta ou aquela parte da cidade ou da alma: ela é condição de possibilidade, por assim dizer, de ambas e da boa relação entre suas partes. Ela “não permite que cada uma das partes da alma que há nele (homem) faça o que não lhe compete, nem que os três princípios de sua alma interfiram uns nas funções dos outros, mas, ao contrário, manda que ele disponha bem o que é dele, mantenha o comando sobre si mesmo, estabeleça ordem, venha a ser amigo de si mesmo e ponha em harmonia as três partes de sua alma” (443c-e).
Chama a atenção que nessa teoria da alma e das relações entre as quatro virtudes tradicionais, que foram já objeto de reflexão em diálogos anteriores de Platão, a primazia da justiça, sua especificidade, não apague certa relação mais íntima e peculiar com a temperança. Observe-se a seqüência da última passagem citada: “como se nada mais fossem (as partes da alma) que os termos da escala musical, o mais agudo, o mais grave e o médio e todos os termos intermediários que possam existir, e, ligando todos esses elementos, de múltiplo que ele era, torna-se uno, temperante e pleno de harmonia” (443e). Ora, “harmonia” é termo já mobilizado nesse contexto para caracterizar a temperança, que “se assemelha a uma harmonia” (431e), e que, à sua maneira, se distingue também das outras virtudes: “a temperança não age como a coragem e a sabedoria...Estando cada uma instalada no interior de uma parte, aquela torna corajosa a cidade, e esta a torna sábia. Ela, ao contrário, está absolutamente a postos por toda a cidade...essa concordância é temperança, uma consonância natural do pior e do melhor sobre qual dos dois deve governar na cidade e também no íntimo de cada um” (431e-32a).
É também curioso que Sócrates, referindo-se, como vimos, à simetria existente entre a sabedoria e a coragem na cidade e no indivíduo, prossiga dizendo que “o homem também é justo da mesma forma pela qual a cidade é justa” (441c-d), sem referir-se à temperança. Teria ele, neste momento, assimilado as duas virtudes, ou ao menos ignorado suas diferenças?
Há, pois, alguns indícios de que as relações entre a justiça e a temperança exigem análise mais detida, o que nos permitiria pelo menos encaminhar dois temas afins: as relações entre razão e justiça, já que a temperança está fortemente associada ao comando da parte racional; e uma compreensão mais precisa das mudanças por que passa, no conjunto dos diálogos, a concepção platônica da unidade das virtudes.

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BOUVIER, David.
L’autorité d’Apollon dans la
République.
Professeur de Langue et Littérature Grecques au Département de Sciences de l’Antiquité à l’Université de Lausanne, Suíça.

Au livre IV, 427b, Socrate rappelle qu’il revient à Apollon de fixer les lois que l’on pourrait appeler «religieuses», celles qui regardent la fondation des temples, les sacrifices, le culte des dieux, et les honneurs funéraires. La remarque est faite rapidement mais elle permet de reconnaître dans la République l’opposition entre lois sacrées et lois politiques. On peut partir de ce passage pour examiner plus précisément l’autorité d’Apollon dans la République. On s’interrogera ainsi sur la compétence que le dieu pourrait avoir sur les lois de la musique et de la gymnastique, dont Socrate a rappelé plus haut qu’il ne faut en aucun cas les changer (“tò mè neoterízein perì gymnastikén te kaì mousikèn parà tèn táxin”) (424b5).

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BRANDÃO, Jacyntho Lins.
A natureza do cão-filósofo.
Professor Titular de Língua e Literatura Gregas na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.

O trabalho visa a mostrar que a principal descoberta de Platão, na República, é de ordem “psicológica”: o thymoeidés como elemento central da alma, na medida em que regula a articulação entre o “racional” (logistikón) e o “concupiscente” (epithymetikón). Uma vez que o guardião deve ter a natureza do cão de boa índole, de modo a ser feroz com os estranhos e doce com familiares, todo o excurso educacional presente nos livros II e III tem como objetivo explorar qual a reta “paidéia” que se deve administrar àqueles que apresentam um caráter irascível, sabendo-se que a irascibilidade é o traço primeiro do guardião e define sua natureza. Portanto, na exploração da constituição da alma, é necessário admitir-se a existência de um terceiro elemento, o thymoeidés, para o qual se volta preferencialmente a “paidéia” do guardião, que, por sua vez, é como que o thymoeidés da pólis. Assim, saber o que é a justiça no homem e na cidade depende de considerar o que vem a ser essa "parte" da alma, a mais difícil de ser compreendida, justamente por ocupar uma posição intermediária.

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CASNATI, Gabriela.
El alma en
República IV y Timeo.
Doutoranda em Filosofia no Instituto de Filosofía de la Universidad de Buenos Aires, Argentina.

El diálogo Timeo comienza con un repaso de los temas tratados “ayer” en República II-V (Timeo 17c-19a). Dado que “hoy” lo que va a tratarse es el origen del universo y la naturaleza del hombre, es importante tener en cuenta que Platón inicia su exposición recordándonos, entre otras cuestiones, cuál sería la mejor organización política y qué hombres la conformarían, qué sería lo conveniente a cada ocupación, como así también la naturaleza propia de las almas de los guardianes del Estado y la educación temprana apropiada a ellos. Es llamativo que Platón mantenga en silencio cualquier referencia a la formación dialéctica de los filósofos-guardianes y a su doctrina metafísica de las Formas. ¿Será la razón de esto –como sostuvieron entre otros H. Jackson y R. D. Archer-Hind- que en Timeo Platón abandonó su teoría madura de las Ideas, ya problematizada en Parménides? Sin llegar a sostener una posición tan extrema, no podemos negar que gran parte del diálogo Timeo se asemeja a un tratado físico-matemático, donde el mundo de la apariencias sensibles parece querer ser explicado a través de la estructura geométrica de los cuerpos y a partir de los “elementos” últimos: dos clases de triángulos, y que dicha dilucidación en nada se asemeja a cualquier elaboración metafísica de la República.
El propósito del presente trabajo es mostrar el notable paralelismo que, sin embargo, Platón traza en ambos diálogos respecto de la cuestión del alma. La conformación del alma en República IV (435e-441e) no difiere de la descripción que hace en Timeo cuando aborda el tema del cuerpo humano y su unión con el alma (42d5-44d2), que describe como un relato de “la generación parte por parte de los cuerpos y del alma y las causas e intenciones de los dioses por las que se produjeron”. Incluso también allí se hace depender de un recto régimen de educación que el hombre llegue a ser pleno y absolutamente sano. Es también para destacar el uso de logistikón en República, 439d5-8 y Timeo, 37c1-3 al referirse a lo inteligible.

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COSTA, Admar Almeida da.
A harmonia dos contrários no livro
IV da República.
Professor Adjunto I no Departamento de Filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

O livro IV da República de Platão começa com a pergunta de Adimanto sobre a possibilidade dos guardiões serem felizes, face às restrições que lhes foram impostas no fim do livro III. Em resposta, Sócrates afirma que a cidade inteira deve ser feliz, e não apenas a classe dos guardiões (420b-c). Adiante, no passo 440e-441a, a divisão de classes da cidade se repetirá na alma. Assim, respeitando a correspondência, estipulada por Sócrates, entre as três classes da cidade e as três partes da alma, gostaríamos de investigar como é possível harmonizar a felicidade de cada parte e de cada classe com a felicidade do todo. Em outras palavras, como proceder para que o governado se convença de que sua felicidade é proporcional àquele que detém o governo?

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CORRÊA, Paula da Cunha.
A sophrosýne no quarto livro da República de Platão.
Professor Associado no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo.

Na República de Platão, a alma harmoniosa é freqüente­mente des­crita em termos musicais. Pretendo examinar, no quarto livro, a concepção da sophrosýne (“prudência”) que opera uma espécie de harmonía que se estende tanto pe­las partes distintas da socie­dade (432a), quanto pelas partes da alma tripartite que, por sua vez, harmonizam-se como as três notas (ou cordas) básicas da oitava (Rep. 443d).

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ESCOBAR, Jairo.
¿Qué significa la justicia en Platón?
Notas a Politeia, IV.
Professor Titular no Instituto de Filosofía de la Universidad de Antioquia, Colômbia.

Me propongo en este ensayo pensar las relaciones que Platón establece entre polis y psychê. Las preguntas que orientarán mi investigación son las siguientes: ¿Qué significa un estado justo? ¿Qué quiere decir que una persona es justa? ¿Qué relación se puede pensar entre la justicia de la polis y la justicia del alma individual? Creo que esta última pregunta, desde la perspectiva platónica, es la más interesante, pero también la más difícil de responder.  Es cierto que una ciudad justa tiene más posibilidades de generar individuos que se comporten justamente, así como individuos justos en su alma pueden contribuir a producir una ciudad más justa, pero esta relación no es una relación de reflejo, sino que pueden darse rupturas, quiebres, por ejemplo en el sentido de que en una ciudad formalmente justa se den individuos que se comporten injustamente consigo mismo y con los demás. O viceversa: que una ciudad de individuos formalmente justos,  educados justamente, pueda producir una ciudad en general injusta. ¿Cómo es esto posible? Esta posibilidad es la que me  interesaría pensar en esto ensayo.

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FRANCO, Maria Sylvia Carvalho.
Khalepà tà kalá

Professor Titular dos Departamentos de Filosofia da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual de Campinas

O livro IV da República enfrenta contradições, examinando estruturas cujos componentes são, ao mesmo tempo, incompatíveis e necessários à sua gênese e desenvolvimento. Um desses focos visa a dupla  natureza do guardião, com suas determinações antagônicas (gentil e irascível), mas sem as quais é impossível que venha a existir. Também a complexa figura do go­vernante,  equacionada à natureza  do filósofo, compõe-se  de dons teóricos e talentos práticos antitéticos e, simultâneamente,  imprescindíveis à sua integridade.
Investigar essas contradições  e as demais que delas se desdobram, buscando soluções para sua conciliação é um dos alvos no livro IV: as artes  — pintura, música e literatura — têm significado fundamental nesse apaziguamento. Cores, sons e  palavras preparam o estofo, articulam as partes e  modulam os movimentos da alma. A unificação teórica que permite o nexo entre processos cromáticos,  sonoros e anímicos tem fundamentos matemáticos, como em outras passagens onde mesmo as percepções sensíveis mais elementares ancoram-se expontanemanete nessas medidas.
Os momentos que escapam àquelas acomodações põem em operação o domínio natural e a subordinação hierárquica, embora mesmo nesse quadro o homem e a cidade justos e injustos são colhidos em conceitos que sintetizam cromatismo e sonoridade.

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LIMA, Paulo Butti de.
Phylakikè epistéme.
Professore Associato di Storia del Pensiero Politico Classico presso la Facoltà di Lettere e Filosofia dell’Università di Bari, Itália.

São muitas as ciências na cidade, mas uma, em particular, diz respeito à euboulía, ao bom conselho, e torna sábia a cidade como um todo: trata-se da phylakikè epistéme, da ciência protetiva, que é possuída pelos guardiães “perfeitos”. É assim que, no livro quarto da República, Platão funda a “ciência da política”, uma ciência que tem por objeto o modo em que a cidade “se põe em relação consigo mesma e com as outras”. Mas qual é este conhecimento, considerado em sua especificidade? Qual o “conteúdo” de um saber que diz respeito ao cuidado – epiméleia – de alguns indivíduos pelos demais cidadãos? A educação filosófica deverá incluir em seu percurso uma formação – ensino ou experiência – especificamente “política”? E qual a relação entre o conhecimento político possuído pelo filósofo da cidade ideal e a observação concreta da cidade corrompida? Enfim, cabe perguntar se, para fundar a cidade da República, era necessário que Sócrates possuísse uma epistéme que se torna um atributo desta cidade e que a caracteriza como sábia em seu conjunto, e não só nas figuras de seus cidadãos mais destacados.

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LOPES, Antonio Orlando de Oliveira Dourado.
A impetuosidade do diálogo: a perspectiva platônica do aprendizado da alma em
República, IV, 440e-441c.
Professor Assistente IV na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.

Para exemplificar a ajuda que a instância thymoeidés da alma, quando bem educado, traz para o estado logistikón, Sócrates lembra a passagem em que Ulisses dirige-se ao seu próprio coração (kradíe) para reter o impulso de uma reação precipitada (Odisséia, XX, 17-18). ‘Dialogar’ com o próprio coração permitiu ao herói adiar para o momento oportuno uma reação desejada e plenamente justificável, mas condenada ao fracasso naquelas circunstâncias. Graças a essa espera, Ulisses pôde contar com a ajuda que Atena lhe havia anunciado. Todavia, se em Homero há uma iniciativa racional da parte de Ulisses, que argumenta para aliciar seu coração na grande empreitada da punição dos pretendentes, no caso da República Sócrates quer comprovar a tendência natural (phýsei, 441a) da instância thymoeidés a aliar-se à instância logistikón. Por um lado, é possível pensar que o núcleo dessa relação já esteja de fato prefigurado em Ulisses na Odisséia, já que ele dá sinais tanto de sua impetuosidade quanto de sua prudência. Por outro lado, ao chamar essa dimensão da alma de thymo-eides – “o que toma a forma do thymós” – Platão introduz na temática homérica do herói que avalia previamente as possibilidades de êxito (analogisámenos, 441c) uma nova perspectiva, que associa a impetuosidade à indignação justa. Ao invés de caracterizar-se pela retenção do ímpeto de uma reação cega, essa instância da alma é capaz de um gesto de arrojo na direção da justiça, como se a ameaça a ela constituísse uma ameaça à própria vida do indivíduo (a ponto de torná-lo disposto a morrer pela justiça). Nesse sentido, pode-se dizer que a concepção de alma de Sócrates alia o arrebatamento de Aquiles à previdência de Ulisses.

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MARQUES, Marcelo Pimenta.
Aparecer e contrariedade no livro
IV da República.
Professor Associado II no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais.

Em que medida o aparecer contraditório é constitutivo do processo mesmo do pensar (dianóeisthai) e, em particular, do pensar a alma? Trata-se do desafio de pensar “o que é”, assim como “o que não é”, com relação à alma e de ser capaz de dizê-lo discursivamente, ao longo do exame compartilhado, sem dizer algo risível ou absurdo. É preciso analisar a alma na sua relação com a cidade, examinar, particularmente, seres e situações que parecem ser opostos ou contrários (enantíoi) e perante os quais os interlocutores são obrigados a se perguntarem o que eles são ou não são, realmente.

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MORAES AUGUSTO, Maria das Graças de.
A
apología da eudaimonía e os áristoi demiourgoí (Rep. 419a-422a).
Professor Associado II no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Análise da noção de demiourgós no livro IV da República, no contexto da apología apresentada por Sócrates em favor da eudamonía do phýlax.
Nesse sentido, a contraposição entre os "áristoi demiourgoí" (42c1c-1) e os "kakoì demiourgoí" (421d1-2),  pensada a partir da atividade dos "andriánta gráphontas" (420c-5)  e das figuras do kerameús (420e), do kythreús (421d6-11) e do phýlax (421a-c), possibilitarão não só um aprofundamento da compreensão da função do demiurgo na estruturação da "pólis lógo(i)", mas, também, o atrelamento desta contraposição à interlocução dialógica entre os gêneros do lógos e a elaboração de uma "prosa científica", exemplificados, na referida passagem, pela comédia de Aristófanes, Acarnenses e Ploutos, e pelo Canon  de Policleto.

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MOTTA, Guilherme Domingues da.
A educação como fundamento da unidade e da felicidade na cidade da
República.
Doutorando em Filosofia no PPGF da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No início do livro IV da República, Adimanto pede que Sócrates se defenda do argumento de que os guardiões da cidade recém-formada não serão felizes por não usufruírem dos bens de uma cidade que na verdade lhes pertence. Não há surpresa, pois as concepções de governo, de felicidade e de bem implícitas em seu argumento, segundo as quais os verdadeiros bens são aqueles que dão satisfação à ambição e às paixões, permeiam todas as intervenções tanto de Adimanto quanto de Gláucon, no papel de arautos da opinião da maioria. O que é preciso notar, entretanto, é que o que essa fala inicial de Adimanto denuncia é que está longe de compreender a cidade que acaba de ser construída. O que todo argumento de Sócrates na República vai descortinando é que não só os únicos bens não são os bens sensíveis, como estão longe de constituir o que tornará os habitantes da cidade, na sua totalidade, felizes. Se é a identificação da felicidade com a “boa vida” que torna possível que todos sejam felizes e se o fundamento da “boa vida” é a educação, então é preciso compreender que a educação inicial proposta para os guardiões na República é uma educação comum a todos, independentemente de classe. Assim, perde o sentido tanto a tese levantada por Adimanto, de que os guardiões são os menos felizes, quanto a tese contrária, de quem vê na cidade proposta na República uma divisão de classes na qual se busca a excelência e felicidade de poucos às expensas de trabalho de uma classe de artesãos inferiorizada e afastada da felicidade.

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OLIVEIRA, Camila do Espírito Santo Prado de.
Estudo dos termos
“pân” e “hólon” no livro IV da República de Platão.
Doutoranda em Filosofia no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais.

Na abertura do livro IV da República, Adimanto toma a palavra e pergunta a Sócrates se o modo de vida dos guardiões, que acabara de ser acordado, fará deles homens felizes. Sócrates responde que não seria de admirar se eles fossem muito felizes vivendo assim, mas que a cidade não estava sendo fundada tendo em vista a felicidade de uma de suas partes, mas da cidade toda. Esta resposta diz: é preciso que o todo (a cidade) seja feliz e não a parte (uma das classes), pois é o todo que determina o que cada parte é, isto é, é em função do bem do todo que cada uma das partes recebe uma função e deve cumpri-la. A felicidade do todo vale mais que a felicidade da parte. O todo vale mais que a parte.
Na retomada deste argumento, entretanto, no livro V, 465e5, Sócrates cita um verso de Hesíodo, em que o poeta diz que “metade vale mais que o todo” não apenas classificando-o de sábio, mas tomando-o por equivalente ao que antes havia sido dito sobre a felicidade do guardião.
Como compreender, então, a relação entre parte e todo nestes passos? Como saber de quem é a prioridade, quem vale mais? Como, enfim, entender esta dupla contradição: 1. a contradição hesiódica citada e aprovada por Sócrates; e 2. a equivalência contraditória entre esta contradição e o seu enunciado oposto?
Atentamos ao texto grego. Quando Sócrates diz, na primeira apresentação de seu argumento, no livro IV, que é preciso que a cidade inteira seja feliz e não só uma de suas partes, o termo usado por Platão para dizer “inteira” é “hóle”.  O termo aparece duas vezes referindo-se à cidade e ainda uma vez quando ele compara a cidade a uma escultura, que como ela deve formar um todo belo (hólon kalón). Na seqüência deste argumento, Sócrates diz que ao guardião não se pode atribuir uma felicidade tal que o transforme em tudo, menos em guardião. O termo traduzido por “tudo” é “pân”. Aparecem, então, neste trecho, dois termos que exprimem a idéia de totalidade: “hólon” e “pân”. A prioridade sobre a parte é dada ao “hólon”, o “hólon” vale mais que a parte. “Pân”, tudo quanto há, é o que os guardiões não devem ser, sob pena de não serem o que são. 
No livro V, quando o argumento reaparece, é de “pantós” que se trata. A metade vale mais que “pantós”. O que os guardiões são, a parte que lhes cabe é maior que “pantós”, que os faria não serem o que são. Mas se eles são algo, eles o são em função do “hólon”, do todo que é a cidade inteira, a que vale mais que a parte.
O objetivo deste trabalho é retomar a questão enunciada por Sócrates no final do Teeteto 204a11: “tò pân” e “tò hólon” são a mesma coisa, ou algo diferente cada um dos dois? – no contexto do livro IV da República, buscando, através do estudo das ocorrências destes termos, compreender quais os sentidos de totalidade que eles encerram e, principalmente, como o uso destes termos por Platão permite que o filósofo afirme, nos passos estudados, que “hémisy” vale mais que “pantós” e menos que “hólon”.

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REIS, Maria Dulce.
A teoria da tripartição da
psykhé (Rep. IV) como base da teoria ético-política platônica.
Professor Adjunto Doutor no Departamento de Filosofia da PUC-Minas Gerais.

Em resposta à tese geral de que o homem mais injusto é o mais feliz, Sócrates desenvolve entre os livros IV e IX da República três demonstrações de que o homem justo (o rei-filósofo) é o mais feliz. A primeira, leva em conta a diferença entre a natureza da alma do filósofo e da alma do tirano. Ao contrário do tirano, o filósofo é “rei de si mesmo”, é livre, justo, é mais feliz. A segunda parte da análise dos diferentes tipos de prazer e de homem. O filósofo julga melhor, obtém o prazer mais agradável e a vida mais aprazível. A terceira baseia-se na supremacia do prazer do filósofo, o prazer “puro”, resultado da experiência daquilo que está “verdadeiramente acima”, daquilo que ‘é’. Todas as três demonstrações pressupõem a teoria da tripartição da alma, exposta no livro IV, a supremacia do elemento racional em relação aos demais elementos da alma, e por isso a importância da educação do logistikón, o que nos mostra a amplitude e importância da tripartição da alma, na teoria ético-política de Platão.
A teoria da tripartição da alma exposta no livro IV da República permite que Platão conceba a alma humana como uma espécie de ‘potência de relação’, e a virtude não apenas como conhecimento, mas como um modo de relação entre os três gêneros da alma, concepções muito mais complexas que aquelas de alma e de virtude presentes nos Diálogos que a antecedem. É a relação que o racional estabelece com o apetitivo e o irascível que vai determinar seja a virtude (saúde da alma), seja o vício (stásis na alma). A justiça é o exercício da ordem e da unidade, seja na psykhé, na pólis ou no kósmos.  Disso decorre o papel fundamental da educação dos três gêneros da alma, para que cada elemento cumpra aquilo que lhe é próprio por natureza, para a presença da virtude na alma e na cidade.
Pretendemos defender que é impossível uma compreensão mínima da República, sem uma compreensão adequada da teoria da tripartição da alma, de suas implicações para os demais campos da filosofia platônica, particularmente, para sua teoria ético-política.

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RIBEIRO, Adriano Machado.
O deslocamento socrático: natureza e educação na unidade da virtude política
.
Professor Assistente Doutor no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo.

Sócrates, em 427e, afirma que é perfeita a cidade cuja fundação é baseada na educação anteriormente apresentada. Sendo assim, conclui, “ela é sábia e corajosa, temperante e justa”. Neste sentido, a presença de uma das quatro qualidades mencionadas implica a das outras três. Não há como deixar de lado a proximidade de tal afirmativa com a unidade socrática das virtudes nos primeiros diálogos de Platão. Para verificar tal aproximação, contudo, o presente trabalho procurará restringir-se à análise das duas primeiras. Para Sócrates, a ciência do governante é a única a ser denominada propriamente de sabedoria. (429a). Esta pertence a um grupo pequeno e se apresenta por natureza. Já a coragem – que também como aquela restringe-se a uma parte dos membros da cidade – será a preservação da “opinião de que eles são tais e quais aqueles que o legislador indicava ao tratar da educação” (429b). Há, neste caso, uma dóxa formada sob a ação da lei e pela educação que, permanente, não se modifica. Centrando-se, pois, nestas duas primeiras virtudes caberá aqui indagar quanto da perspectiva do Sócrates dos diálogos aporéticos ainda se mantém; e quais são as mudanças significativas aqui efetuadas. Sendo assim, é interessante constatar uma espécie de unidade das virtudes, mesmo que agora enunciada como própria de uma cidade. Neste sentido, cabe destacar o deslocamento da piedade e a troca dela pela sabedoria. Além disso, quanto à coragem, é significativo ser ela a manutenção de uma dóxa pela educação: a tese socrática da República traz assim, como uma resposta, uma interlocução curiosa com os ditos diálogos socráticos, pois sobreleva a aptidão por uma phýsis bem como a importância da educação, dois pontos modelados, diferentemente dos diálogos aporéticos, a partir de uma perspectiva política.  

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SANTA CRUZ, Maria Isabel.
La tripartición del alma en República, IV: eíde, dunámeis y pathémata
Profesora Titular de Historia de la Filosofía Antigua del Instituto de Filosofía de la Facultad de Filosofía y Letras de la  Universidad de Buenos Aires, Argentina.

Como es bien sabido, en el libro IV Platón introduce su teoría de la tripartición del alma, que retoma en los libros VIII y IX. El alma está constituida por tres “partes” (eíde: 439 d, o mére), una racional, el logistikón, y dos irracionales, el epithumetikón, que es alógistos, y el thumós. En este trabajo interesa examinar la argumentación que esgrime Platón para “deducir” las partes del alma, especialmente el thumós, así como abordar el problema de si en República la tripartición del alma se introduce para justificar las tres clases del estado o si, en cambio, Platón, para proponer esta teoría, tiene razones fundadas, basadas en el examen de la individualidad humana. En todo caso, aun cuando tenga tales razones, se intentará mostrar cómo la tripartición propuesta es funcional al argumento que se desarrolla tanto en el libro IV como en los libros VIII y IX. 
Asimismo, se insistirá en el modo en que Platón precisa lo que entiende por eíde o mére del alma, usando un dativo instrumental: cada “parte” del alma es aquello con lo que hacemos cada cosa (tà hoîs hékasta práttomen: 436 a) y se pondrá en conexión con lo afirmado en el libro V (477 b-d), donde tanto la epistéme como la dóxa se presentan explícitamente como dunámeis, que se definen, recurriendo, como en el caso de las eíde del alma, también al dativo instrumental, como capacidades, “por medio de las cuales podemos lo que podemos” (haîs dè kaì hemeîs dunámetha hà dunámetha: 477 c). En el libro VI, en cambio, eikasía y pístis, en las que se desdobla la dóxa, así como diánoia y nóesis (o epistéme), se caracterizan como pathémata en tê psychê (511 d-e) y no se habla ahora de dunámeis. Pathémata parece aludir ya no a operaciones sino a “estados” del alma, esto es, producto de alguna operación mental; pístis y eikasía son estados conclusivos en los que se halla el alma como resultado de la operación cumplida por la dóxa sobre dos clases de objetos, es decir, originales e imágenes.